fotografia mostra Beto Strada (homem, branco, de cabelos grisalhos e óculos de grau) encarando o horizonte, sentado em uma cadeira, de perfil.

Beto Strada, 40 anos de carreira: 'Para um artista, o mais importante é criatividade'

Compositor e arranjador ofereceu oficina sobre sons em cena para equipe audiovisual do CIAR

fotografia mostra Beto Strada (homem, branco, de cabelos grisalhos e óculos de grau) encarando o horizonte, sentado em uma cadeira, de perfil.

Texto: Raniê Solarevisky - CIAR/UFG
Fotos: Gusthavo Cardoso - CIAR/UFG

Beto Strada é compositor e arranjador de música de cinema há mais de 40 anos, sendo responsável por mais de 30 filmes. É professor da oficina "O Som em Cena", que há 20 anos leva conhecimentos sobre o universo do som no cinema por quase todo o Brasil. Durante a pandemia, passou a ministrar aulas online, oferecendo cursos nessa modalidade.

O CIAR recebeu o professor em dezembro de 2022 para ministrar a oficina Som em Cena, oferecendo noções de dublagem e efeitos sonoros para a equipe de audiovisual do órgão. "Gostei muito de ter dado essa aula na UFG. Tinha um estúdio muito bom, com alunos muito interessados e produzimos coisas muito interessantes ali", declarou.

fotografia mostra dois homens com equipamentos áudio realizando gravação de efeitos sonoros em estúdio.

 

Em entrevista concedida à assessoria de comunicação do CIAR, Strada falou sobre sua trajetória profissional, o som no cinema brasileiro e as perspectivas para os profissionais que desejam atuar na área.

 

Carreira no audiovisual

Beto Strada estudou violino quando mais jovem e realizava apresentações ao vivo junto de uma banda no Rio, com múltiplos instrumentos. A carreira como compositor teve passagens por LPs e pelo teatro, mas sua grande paixão sempre foram os filmes: seu currículo tem 42 longas musicados, de vários diretores diferentes.

Strada também foi um pioneiro no uso de bancos de trilhas sonoras no audiovisual brasileiro. “Em 1976 criei a Trilha Pronta, o primeiro banco de trilhas de toda a América latina. A produtora tinha mais de 200 trilhas de diferentes tons. Eu recebia a ligação do cara [sic] pedindo alguma coisa para o comercial ou o filmete dele e a gente tinha de tudo: trilha de ação, jocosa, sensual, o que ele quisesse”, relata.

Apesar disso, não aconselha usar um dos milhares de pacotes de efeitos sonoros gratuitos disponíveis na web em produções autorais, como curtas e longa-metragens. “Imagine que você tem uma cena daquelas de filmes policiais, em que os agentes entram nas casas para revistar tudo e saem abrindo gavetas, quebrando coisas e tudo mais. Não dá para usar efeitos prontos porque você precisa fazer junto com os atores, este é o trabalho do artista do foley, que tem que sincronizar os sons, com o que está acontecendo na cena.”

Para o professor, o advento da captação e tratamento digitais de áudio permitiu melhorar muito a imersão e a produção de ambiências criadas a partir do som nos filmes, sobretudo pela possibilidade de usar várias faixas de áudio em canais diferentes -- embora considere que o som no cinema brasileiro ainda ocupa segundo plano no rol de prioridades das produções nacionais.

 

Som no Cinema Brasileiro

O artista explica que o som no cinema é composto por 4 dimensões: o ruído ambiente, os diálogos, o foley (efeitos sonoros, como o dos passos de uma personagem que caminha) e a música. Para Strada, as produções brasileiras ainda têm dificuldade no uso desses elementos e não parecem se preocupar com a profundidade que podem adicionar às narrativas dos filmes.

"Eu costumo dizer que no Brasil a gente faz ‘meio áudio e visual’ [risos]. Eu assisti recentemente aquele filme chamado Bacurau. E tem muitas cenas em que as pessoas não conseguem entender o que os atores estão falando. Isso porque a gravação capturou o som ambiente junto com as falas dos atores, ou seja a relação sinal/ruídos quase se igualaram, prejudicando o diálogo. Falta mais cuidado com o som do cinema brasileiro”, critica.

A discussão já foi tema de pesquisa e também ganhou as redes há algum tempo, quando Kleber Mendonça Filho -- diretor de Bacurau -- sugeriu, em tom irônico, que a solução para os problemas com o áudio seria aumentar o volume da televisão.

 

 

 

Para Beto Strada, um dos obstáculos à valorização do papel do som na construção das narrativas cinematográficas está justamente na figura do diretor. Para o compositor, é comum que esse profissional não respeite o trabalho dos técnicos de som. Por isso, segundo ele, é preciso garantir um espaço seguro de autonomia para trabalhar na área.

“Tem que se impor. É muito comum que o diretor de cinema se ache uma sumidade no set de filmagem. Aí quando vem o artista do foley para pedir 30 minutos para passar o som com os atores, ele não quer deixar. Mas tem que deixar! Ele [diretor] não entende de tudo. Não estudou de tudo, então precisa respeitar o espaço dos outros profissionais. E o cinema é isso mesmo: as coisas precisam dar muito certo para se ter uma obra concluída a tempo“, defende.

 

Perspectivas

Ao pedido de um recado para jovens que sonham em trabalhar na área, retruca: “Assistiu aquele filme do Spielberg?”, referindo-se ao romance biográfico sobre a vida do diretor, encenado em Os Fabelmans (2022). “Ele mostra uma coisa que está nessa frase que eu vou te falar: todo bom artista é um autodidata”.

Strada chama a atenção para uma cena em que o aclamado diretor, ainda na infância, tenta reproduzir os efeitos de tiros em uma história sobre caubóis. Spielberg consegue produzir o efeito furando o filme que seria lido pelo projetor, criando clarões que remetem ao uso de armas de fogo. "O pai dele pergunta [para Spielberg] como ele fez isso e o menino responde que pensou naquilo sozinho. Para um artista, o mais importante é usar a criatividade. E o cinema é exatamente isso. É um espaço de criação”, afirma.

Para continuar a semear talentos e paixões, a intenção do professor é levar seu workshop Ouvindo Cinema aos colégios do ensino básico no futuro. "Estive com mais de 300 estudantes em um colégio de Taguatinga, em agosto [de 2022]. Foi uma experiência incrível porque os alunos estavam ávidos para falar sobre filmes e ouviram com muita atenção, encantados com a magia do som no cinema", relata.

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