![fotografia mostra Beto Strada (homem, branco, de cabelos grisalhos e óculos de grau) encarando o horizonte, sentado em uma cadeira, de perfil.](https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/1263/l/HR5A0138.jpg?1676388225)
Beto Strada, 40 anos de carreira: 'Para um artista, o mais importante é criatividade'
Compositor e arranjador ofereceu oficina sobre sons em cena para equipe audiovisual do CIAR
Texto: Raniê Solarevisky - CIAR/UFG
Fotos: Gusthavo Cardoso - CIAR/UFG
Beto Strada é compositor e arranjador de música de cinema há mais de 40 anos, sendo responsável por mais de 30 filmes. É professor da oficina "O Som em Cena", que há 20 anos leva conhecimentos sobre o universo do som no cinema por quase todo o Brasil. Durante a pandemia, passou a ministrar aulas online, oferecendo cursos nessa modalidade.
O CIAR recebeu o professor em dezembro de 2022 para ministrar a oficina Som em Cena, oferecendo noções de dublagem e efeitos sonoros para a equipe de audiovisual do órgão. "Gostei muito de ter dado essa aula na UFG. Tinha um estúdio muito bom, com alunos muito interessados e produzimos coisas muito interessantes ali", declarou.
Em entrevista concedida à assessoria de comunicação do CIAR, Strada falou sobre sua trajetória profissional, o som no cinema brasileiro e as perspectivas para os profissionais que desejam atuar na área.
Carreira no audiovisual
Beto Strada estudou violino quando mais jovem e realizava apresentações ao vivo junto de uma banda no Rio, com múltiplos instrumentos. A carreira como compositor teve passagens por LPs e pelo teatro, mas sua grande paixão sempre foram os filmes: seu currículo tem 42 longas musicados, de vários diretores diferentes.
Strada também foi um pioneiro no uso de bancos de trilhas sonoras no audiovisual brasileiro. “Em 1976 criei a Trilha Pronta, o primeiro banco de trilhas de toda a América latina. A produtora tinha mais de 200 trilhas de diferentes tons. Eu recebia a ligação do cara [sic] pedindo alguma coisa para o comercial ou o filmete dele e a gente tinha de tudo: trilha de ação, jocosa, sensual, o que ele quisesse”, relata.
Apesar disso, não aconselha usar um dos milhares de pacotes de efeitos sonoros gratuitos disponíveis na web em produções autorais, como curtas e longa-metragens. “Imagine que você tem uma cena daquelas de filmes policiais, em que os agentes entram nas casas para revistar tudo e saem abrindo gavetas, quebrando coisas e tudo mais. Não dá para usar efeitos prontos porque você precisa fazer junto com os atores, este é o trabalho do artista do foley, que tem que sincronizar os sons, com o que está acontecendo na cena.”
Para o professor, o advento da captação e tratamento digitais de áudio permitiu melhorar muito a imersão e a produção de ambiências criadas a partir do som nos filmes, sobretudo pela possibilidade de usar várias faixas de áudio em canais diferentes -- embora considere que o som no cinema brasileiro ainda ocupa segundo plano no rol de prioridades das produções nacionais.
Som no Cinema Brasileiro
O artista explica que o som no cinema é composto por 4 dimensões: o ruído ambiente, os diálogos, o foley (efeitos sonoros, como o dos passos de uma personagem que caminha) e a música. Para Strada, as produções brasileiras ainda têm dificuldade no uso desses elementos e não parecem se preocupar com a profundidade que podem adicionar às narrativas dos filmes.
"Eu costumo dizer que no Brasil a gente faz ‘meio áudio e visual’ [risos]. Eu assisti recentemente aquele filme chamado Bacurau. E tem muitas cenas em que as pessoas não conseguem entender o que os atores estão falando. Isso porque a gravação capturou o som ambiente junto com as falas dos atores, ou seja a relação sinal/ruídos quase se igualaram, prejudicando o diálogo. Falta mais cuidado com o som do cinema brasileiro”, critica.
A discussão já foi tema de pesquisa e também ganhou as redes há algum tempo, quando Kleber Mendonça Filho -- diretor de Bacurau -- sugeriu, em tom irônico, que a solução para os problemas com o áudio seria aumentar o volume da televisão.
Quem entende de Cinema (mas quem entende mesmo, não precisa vir responder se não sabe do que está falando) sabe me dizer por que vários filmes brasileiros (a maioria) têm o áudio tão sofrível? Mal dá para entender o que se fala, é como se o problema fosse já na captação do som.
— Aloe (@vera) July 12, 2020
Tenta aumentar, geralmente ==>. ✌🏼 pic.twitter.com/oOXe8MAWLn
— Kleber Mendonça Filho (@kmendoncafilho) July 13, 2020
Para Beto Strada, um dos obstáculos à valorização do papel do som na construção das narrativas cinematográficas está justamente na figura do diretor. Para o compositor, é comum que esse profissional não respeite o trabalho dos técnicos de som. Por isso, segundo ele, é preciso garantir um espaço seguro de autonomia para trabalhar na área.
“Tem que se impor. É muito comum que o diretor de cinema se ache uma sumidade no set de filmagem. Aí quando vem o artista do foley para pedir 30 minutos para passar o som com os atores, ele não quer deixar. Mas tem que deixar! Ele [diretor] não entende de tudo. Não estudou de tudo, então precisa respeitar o espaço dos outros profissionais. E o cinema é isso mesmo: as coisas precisam dar muito certo para se ter uma obra concluída a tempo“, defende.
Perspectivas
Ao pedido de um recado para jovens que sonham em trabalhar na área, retruca: “Assistiu aquele filme do Spielberg?”, referindo-se ao romance biográfico sobre a vida do diretor, encenado em Os Fabelmans (2022). “Ele mostra uma coisa que está nessa frase que eu vou te falar: todo bom artista é um autodidata”.
Strada chama a atenção para uma cena em que o aclamado diretor, ainda na infância, tenta reproduzir os efeitos de tiros em uma história sobre caubóis. Spielberg consegue produzir o efeito furando o filme que seria lido pelo projetor, criando clarões que remetem ao uso de armas de fogo. "O pai dele pergunta [para Spielberg] como ele fez isso e o menino responde que pensou naquilo sozinho. Para um artista, o mais importante é usar a criatividade. E o cinema é exatamente isso. É um espaço de criação”, afirma.
Para continuar a semear talentos e paixões, a intenção do professor é levar seu workshop Ouvindo Cinema aos colégios do ensino básico no futuro. "Estive com mais de 300 estudantes em um colégio de Taguatinga, em agosto [de 2022]. Foi uma experiência incrível porque os alunos estavam ávidos para falar sobre filmes e ouviram com muita atenção, encantados com a magia do som no cinema", relata.
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