Texto na Imagem: Novo material - Dicionário Noke Koin -  FL UFG e CIAR UFG

Dicionário Noke Koin compila resultados de décadas de pesquisa sobre língua indígena

Material digital gratuito foi desenvolvido em parceria entre o CIAR e Faculdade de Letras da UFG

Texto na Imagem: Novo material - Dicionário Noke Koin -  FL UFG e CIAR UFG

Imagem e Elementos Gráficos: Leandro Abreu - CIAR/UFG
Texto: Raniê Solarevisky - CIAR/UFG


Já está disponível o Dicionário Noke Koin, desenvolvido pelo CIAR em parceria com a Profa. Maria Suelí de Aguiar, da Faculdade de Letras da UFG. O material é resultado de décadas de pesquisas de campo na área linguística, compiladas pela professora desde 1984. A língua Noke Koin pertence à família linguística Páno e o povo que a fala vive em duas Terras Indígenas no município de Tarauacá, no estado do Acre.

Segundo a professora Maria Sueli, o dicionário nasceu, primeiro, por uma necessidade pessoal de pesquisa: sempre que visitava a aldeia, a pesquisadora precisava recorrer a anotações que iam ganhando corpo à medida que convivia com os indígenas. "A partir do momento em que [o dicionário] começou a ser concretizado, pedi para as crianças da aldeia desenharem. A proposta é que esse material seja para eles. Inclusive pedi para que tivéssemos 100 exemplares impressos para que fossem utilizados nas escolas", explica.

De acordo com a pesquisadora, a participação das crianças indígenas na confecção do material, que conta com ilustrações para algumas de suas entradas, é importante para que elas sintam-se representadas e criem uma ligação afetiva com a própria língua, de modo que ela tenha condições de se sustentar no futuro. "Acho que uma coisa fundamental para a questão indígena é a autoestima: É eu sentir orgulho de ser índia. Sem isso, não funciona. Aí ficam os letrólogos querendo saber apenas quais palavras foram usadas e aí vira algo para o outro: é um trabalho [meramente] acadêmico, é para o meu Lattes -- e isso é grave", pontua.

Captura de tela demonstra uso do Dicionário Noke Koi
Captura de tela demonstra uso do Dicionário Noke Koin, produzido no CIAR/UFG.

desenho estilizado de separador gráfico

Produção e Desenvolvimento

Inicialmente, as palavras que compõem o dicionário foram escolhidas aleatoriamente, com base nas investigações realizadas junto aos indígenas, dentro das comunidades. "Como esse material começa para contribuir com o estudo da língua, que eu fui listando e organizando em ordem alfabética, incluímos tudo que eu já tinha listado em pesquisas de campo realizadas desde 1984".

De acordo com a professora, o trabalho de pesquisa sobre uma língua segue várias etapas e procedimentos específicos que deduzem progressivamente o sentido de palavras e expressões. A diferença dos sons emitidos entre as frases "eu gosto de banana" e "eu gosto de goiaba", por exemplo, pode funcionar como um primeiro sinal para a interpretação de cada um dos elementos de uma frase.

"Na Austrália, quando os pesquisadores chegaram para falar com os nativos, viram um bichinho pulando ao longe, apontaram para ele e perguntaram: 'o que é isso?'. Os nativos responderam apenas com 'Kangoroo'. Descobriu-se apenas mais tarde que a palavra significava 'quem é você?'. Mas para o linguista, tudo está valendo, porque inicialmente você quer saber quais são os sons que existem nessa língua, qual elemento que aparece perto de outro, qual som que combina com o outro... Primeiro, estamos interessados nos sons. Só depois passamos aos significados. É um trabalho de formiguinha.", explica.

desenho estilizado de separador gráfico

Cultura e Comunidades Indígenas

De acordo com a professora, há 14 professores na escola indígena da região, dos quais apenas dois falam português. As aulas são ministradas na língua nativa dos Noke Koin e seus falantes a utilizam ativamente, nas tarefas cotidianas, brincadeiras e rituais realizados nas nove comunidades da região: duas em Gregório e outras sete em Campinas. Os levantamentos mais recentes da Comissão Pró-Índio do Acre apontam um número entre 900 e 1.000 pessoas vivendo na região das comunidades.

"Quando foram construir a BR-364, os indígenas se mudaram para o local onde estão hoje para ajudar na construção e não foram embora mais. Então a rodovia corta bem no meio das comunidades. Mas dos grupos que conheço, esse povo é o que tem a ligação mais forte com a língua e seus costumes. A cultura é muito forte. Chegam a se envolver em mais conflitos do que outros [povos] porque quando você não se adapta à cultura do outro, o atrito é mais forte", relata.

Imagem mostra mapa com distribuição de linguas indígenas no Brasil
Mapa mostra distribuição de línguas Páno em 3 Estados. Fonte: Dicionário Noke Koin 

 

Segundo o Jornal da USP, há pelo menos 154 línguas indígenas sendo faladas no Brasil atualmente. Apesar disso, as políticas públicas voltadas à proteção dessas línguas insistem em estratégias equivocadas ou na interrupção abrupta de projetos efetivos. "Quando participei do projeto Rondon, fiz o levantamento de material didático para ser utilizado em aldeias da região norte do Brasil. O material didático era produzido no Rio e em São Paulo, que não conhecem aquela região. Então apareciam nos livros palavras e figuras como "mágico" -- o que é o mágico para o índio? Ou 'maçã'? Ele não sabe o que é isso, nunca viu. Mas cupuaçu, essa fruta sim ele sabe o que é. Se vou aprender a escrever, estou trabalhando com um código, uma técnica escrita e tenho na mente alguma coisa. Para palavras como 'maçã', os índios dizem que 'a boquinha não fala', porque eles não conseguem falar o que não compreendem", explica a professora.

desenho estilizado de separador gráfico

Atualizações e Revisão do Material

Conforme a pesquisadora, nos estudos de lexicologia, é comum que Dicionários sejam criticados por sua natureza estática: como uma língua é algo vivo, que muda ao longo do tempo, esse tipo de material sempre "começa atrasadado", já que apresenta um registro datado dos verbetes que compõem uma língua. Por isso, há planos para que o material seja atualizado para uma versão facilmente editável pelos próprios pesquisadores, com a inserção de novas entradas conforme novas descobertas sobre a língua dos Noke Koin sejam realizadas.

Mesmo assim, em seu estado atual, o material serve como impulso para que novas pesquisas sobre a língua dos Noke Koin sejam desenvolvidas, justamente pelo esforço de atualização que deve acompanhar esse tipo de trabalho.

A adição de fotografias e áudios com as pronúncias dos vocábulos também é um desejo da pesquisadora. "Um diconário precisa ser alegre. Estou focando muito mais nas crianças do que nos adultos, porque são elas quem precisam curtir, manusear [a própria língua], principalmente", destaca.

Outro projeto é a expectativa de uma parceria com a empresa Dell para doação de computadores para a aldeia dos Noke Koin. Isso viabilizaria que as crianças e o povo da aldeia em geral pudessem acessar o Dicionário em seu formato original, além de incorporar eventuais atualizações ao material.

A proposta de acréscimos, correções e melhorias faz parte do ciclo de uso de um dicionário, incluindo a sua aplicação didática nas salas de aula. "Uma das propostas para o professor é de [sugerir a atividade de indicar:] quais são as palavrinhas que você não encontrou? Esse é o incentivo. É um material que só tende a melhorar, dinâmico. Na verdade, todos nós ganhamos com isso, porque tanto eles [os indígenas] aperfeiçoam e vão ampliando o Dicionário, quanto a gente, que não é falante da lingua, aprende algo rico", explica a pesquisadora.

 

Você pode acessar este e dezenas de outros materiais desenvolvidos em múltiplos formatos pela equipe de Publicação do CIAR no Acervo de Materiais do órgão.

Fonte: CIAR/UFG, FL/UFG

Categorias: principal