Acessibilidade em materiais didáticos

"Pessoas com deficiência precisam ter voz", avalia pesquisadora

Mestranda da UFG com deficiência visual comenta aspectos de acessibilidade em materiais didáticos digitais

Acessibilidade em materiais didáticos

Texto: Raniê Solarevisky

Imagem: Guilherme Ferreira

A preocupação com acessibilidade em todos os níveis de ensino mobiliza esforços da UFG há alguns anos e ganha mais força com a observação de aspectos de inclusão nos materiais digitais produzidos pelo CIAR/UFG. Para Talita Serafim Azevedo, professora do CEPAE/UFG com deficiência visual, é preciso cobrar por formatos que consigam atender a pessoas com deficiência, mas também elogiar quando essa preocupação existe desde a concepção do material.

É o caso da série de ebooks da Coleção Invenções, produzida pela equipe de publicação do CIAR/UFG em parceria com os autores das obras. Talita, que iniciou uma pesquisa de mestrado no ano passado, ficou feliz ao conseguir utilizar um dos livros da coleção para suas pesquisas. O título, Acessibilidade: práticas culturais e tecnologia assistiva para a cidadania, foi organizado pelos professores Ana Bandeira, Cleomar Rocha e Vanessa Santana. “Foi muito tranquilo navegar no link: consegui abrir, ler, acessar, ler os links seguintes, então quero muito parabenizá-los pelo trabalho e pela acessibilidade que esse material tem”, declarou, em mensagem enviada à Profa. Vanessa Santana.

Na impossibilidade de recorrer à visão, pessoas com deficiência visual precisam recorrer a programas de leitura de tela para absorver informações dispostas em texto. Esses programas iniciam a leitura da tela do computador ou do celular desde o topo da página, traduzindo em áudio os textos que encontram na tela. No entanto, ícones, imagens, botões ou links sem descrição em texto são captados pelo leitor de tela como conteúdos vazios, causando grande perda de informação para o público que depende desses programas para qualquer ação em interfaces digitais.

“Nós vivemos em um contexto predominantemente visual. Então o vidente [pessoa que consegue enxergar] olha para a tela e consegue acessar o que quer. Ele não sabe que a pessoa com deficiência visual precisa ler coluna por coluna, linha por linha, para chegar onde quer – e tem que ser por setas, no caso do computador – não é como pegar o mouse, navegar para onde se precisa ir e abrir alguma coisa”, explica Talita.

 

Caminhos para Soluções

Para a pesquisadora, o caminho para mais materiais que preveem condições de acessibilidade passa pela formação e pela empatia. “Há todas essas barreiras de acesso e às vezes o vidente não sabe disso. Então, se ele não sabe, como vai poder melhorar?”, pondera. “Outra coisa é a consciência, a consciência e a empatia. Porque quando eu paro para ver as necessidades do outro, consigo pensar em possibilidades de melhora.”, completa.

"Existe muita resistência das pessoas com relação à acessibilidade", pondera a Profa. Ana Bandeira, coordenadora da equipe de publicação do CIAR e pesquisadora na área de tecnologias assistivas.  "Investir na formação sempre. Também é um processo que exige uma constante atualização. Esse processo de formação precisa ser contínuo, até porque não conseguimos aprender tudo de uma vez", argumenta. Para a professora, as questões relacionadas à acessibildiade partem de experiências individuais, com casos muito específicos, o que possibilita e exige da equipe aprendizado contínuo.

Questionada sobre a necessidade de desenvolver ou aperfeiçoar tecnologias assistivas, Ana Bandeira defende que a prioridade deve ser a de implementar recursos de acessibilidade nas tecnologias que já existem. "É mais difícil, por exemplo, quando vou pensar num material impresso. Quando tenho um livro que vai trazer um determinado conteúdo, como 'cor e comunicação', eu teria que fazer um outro livro para uma pessoa cega em braile. Mas no digital, a gente tem condição de fazer o mesmo material para todas as pessoas", destaca. 

Para Bandeira, é preciso implementar requisitos de acessibilidade em todos os projetos de material didático, algo que precisa ser feito logo no início do proejto. "Em qualquer lançamento de projeto, a acessibilidade precisa estar no escopo de contéudo, das funcionalidades. Dessa forma começamos a ter um alcance maior para essas pessoas que por muito tempo não tinham acesso a esses materiais", defende. "Outra coisa importante é pensar a permanência dessas pessoas, com formação contínua de professores, técnicos, pessoal da limpeza. A formação precisa ser contínua e para todos".   

 

Deficiência visual na Universidade 

Talita é licenciada em Letras-Português pela UFG e só começou a usar o leitor de tela quando iniciou a faculdade, que concluiu em 2017. No mestrado em Ensino na Educação Básica, iniciado no ano passado, passou a pesquisar sobre um assunto que já faz parte de suas vivências. “A minha pesquisa é sobre a inclusão da pessoa com deficiência visual na escola, envolvendo a sua socialização. Vou usar a psicanálise e falar de estranhamento do professor frente a esse aluno com deficiência e também sobre o mal estar da pessoa com deficiência na sociedade por conta das barreiras que encontra”, detalha.

No Brasil, segundo os dados mais recentes do IBGE, cerca de 3,6% da população possui algum tipo de deficiência visual. Nas faculdades do país, de acordo com o último Censo da Educação Superior, apenas 43.633 dos mais de 8 milhões de estudantes possuem algum tipo de deficiência (0,5% do total), um índice muito baixo de acesso ao ensino superior. “Nós com deficiência é que precisamos dar voz às nossas dificuldades. As pessoas não percebem essas dificuldades porque não têm as mesmas necessidades”, aponta Talita.

Na UFG, a universidade mantém atendimento personalizado a alunos com deficiência por meio do seu sistema integrado de Núcleos de Acessibilidade (SINACE/UFG). Em 2015, o núcleo criou, em parceria com o CIAR/UFG e outras instituições do Estado, o curso Se Inclui, uma formação docente multimídia para inclusão e acessibilidade no ambiente educacional.

 

Publicada em 08/05/2020 10:34 - Atualizada em 08/05/2020 13:15

Quelle: CIAR/UFG